É gozado como os seres humanos são capazes de enrolar a sua mente em
volta das coisas e encaixá-las na sua versão de realidade. Quíron me
contara isso muito tempo atrás. Como de costume, eu só dei bola para sua
sabedoria muito tempo depois. De acordo com as notícias de Los Angeles,
a explosão na praia de Santa Monica tinha sido causada quando um
sequestrador enlouquecido disparou uma espingarda contra uma viatura da
polícia. Ele acidentalmente atingiu um tubo principal de gás que se
rompera durante o terremoto.
Esse sequestrador enlouquecido (também
conhecido como Ares) era o mesmo homem que me abduzira com dois outros
adolescentes em New York e nos trouxera até o outro lado do país em uma
odisseia de terror que durara dez dias. O pobrezinho do Percy Jackson,
afinal, não era um criminoso internacional. Ele causara uma comoção
naquele ônibus da Greyhound em New Jersey tentando escapar do seu
sequestrador (e depois, testemunhas chegaram a jurar que tinham visto o
homem de roupa de couro no ônibus – "Por que não me lembrei dele
antes?"). O homem enlouquecido causara a explosão no Arco de St. Louis.
Afinal, nenhum garotinho poderia ter feito aquilo. Uma garçonete
preocupada de Denver vira o homem ameaçar seus sequestrados do lado de
fora do seu restaurante, chamara um amigo para tirar uma foto, e
notificara a polícia. Finalmente, o bravo Percy Jackson (eu estava
começando a gostar desse menino) subtraíra uma espingarda do seu
sequestrador em Los Angeles e lutara contra ele, espingarda contra
rifle, na praia. A polícia chegara bem a tempo. Mas, na espetacular
explosão, cinco viaturas da polícia foram destruídas e o sequestrador
fugira. Não houve mortes. Percy Jackson e seus dois amigos estavam em
segurança, sob custódia da polícia. Os repórteres nos forneceram essa
história inteira. Nós apenas assentimos e nos fizemos de chorosos e
exaustos (o que não foi difícil), e representamos o papel de crianças
vitimizadas para as câmeras.
– Tudo o que eu quero – disse eu, contendo as lágrimas – é ver o meu
adorado padrasto de novo. Toda vez que o via na tevê me chamando de punk
delinquente, eu sabia... de algum modo... que tudo ia dar certo. E eu
sei que ele vai querer recompensar uma por uma todas as pessoas desta
linda cidade de Los Angeles com um eletrodoméstico grátis, dos grandes,
da sua loja. Aqui está o número do telefone.
A polícia e os repórteres ficaram tão comovidos que passaram o chapéu e
levantaram dinheiro para três passagens no próximo avião para Nova York.
Eu sabia que não havia escolha senão voar. Esperava que Zeus me desse
algum tempo de lambuja, consideradas as circunstâncias. Mas ainda assim
foi difícil me forçar a embarcar no voo. A decolagem foi um pesadelo.
Cada momento de turbulência era mais assustador que um monstro grego. Eu
não larguei dos braços da poltrona até pousarmos em segurança no
aeroporto de La Guardia. A imprensa local aguardava por nós do lado de
fora da segurança, mas conseguimos escapar graças a Annabeth, que atraiu
para longe com o seu boné dos Yankees invisível, gritando:
– Eles estão lá, perto da sorveteria! Venham! e depois juntou a nós na
área de retirada de bagagem. Separamo-nos no ponto de táxi. Eu disse a
Annabeth e Grover para voltar à Colina Meio-Sangue e contar a Quíron o
que acontecera. Eles protestaram, e era difícil deixá-los partir depois
de tudo que passamos juntos, mas eu sabia que tinha de cumprir essa
última parte da minha missão sozinho. Se as coisas dessem errado, se os
deuses não acreditassem em mim... eu queria que Annabeth e Grover
sobrevivessem para contar a verdade a Quíron. Embarquei em um táxi e
segui para Manhattan.
Trinta minutos depois, entrei no saguão do Edifício Empire State. Devo
ter parecido uma criança abandonada, com minhas roupas esfarrapadas e
minha cara toda arranhada. Eu não dormia havia pelo menos vinte e quatro
horas.
Fui até o guarda na mesa da recepção e disse:
– Seiscentésimo andar.
Ele estava lendo um livro enorme com a figura de um feiticeiro na capa.
Eu não curto muito fantasia, mas acho que o livro era bom, porque o
guarda levou algum tempo para erguer os olhos.
– Esse andar não existe, garoto.
– Eu preciso de uma audiência com Zeus. – Ele me deu um sorriso vago. – O quê?
– Você me ouviu.
Eu já estava quase concluindo que aquele cara era apenas um mortal
comum, e era melhor eu correr antes que ele chamasse a patrulha da
camisa de força, quando ele disse:
– Sem hora marcada, nada de audiência, garoto. O Senhor Zeus não atende ninguém sem aviso prévio.
– Ah, eu acho que ele vai abrir uma exceção.
Tirei a mochila das costas e abri o zíper. O guarda olhou para o
cilindro metálico lá dentro sem entender o que era por alguns segundos.
Então seu rosto empalideceu.
– Isto não é...
– Sim, é – garanti. – Você quer que eu o tire e...
– Não! Não!
Ele se ergueu atabalhoadamente da sua cadeira, tateou em volta da mesa procurando um cartão-chave, e o entregou para mim.
– Insira na fenda de segurança. Certifique-se de que ninguém mais esteja no elevador com você.
Fiz o que ele me disse. Assim que as portas do elevador se fecharam,
enfiei o cartão na fenda. O cartão desapareceu e um novo botão apareceu
no quadro, um botão vermelho que dizia 600. Apertei e esperei, e
esperei. Havia música tocando. "Raindrops keepfalling on my head..."
Finalmente, plim. As portas se abriram. Saí e quase tive um ataque do
coração. Eu estava em um estreito caminho de pedra no meio do ar. Abaixo
de mim se encontrava Manhattan, da altura de um avião.
Diante de mim, degraus de mármore branco subiam em espiral pelo meio de
uma nuvem até o céu. Meus olhos seguiram a escada até o fim, onde meu
cérebro simplesmente não pôde aceitar o que vi. Olhem outra vez, disse
meu cérebro. Estamos olhando, meus olhos insistiram. Está realmente lá.
Do topo das nuvens se erguia o pico decapitado de uma montanha, o cume
coberto de neve. Na encosta da montanha havia dúzias de palácios com
vários níveis – uma cidade de mansões – todos com pórticos de colunas
brancas, terraços dourados e braseiros de bronze brilhando com mil
fogos. Estradas se enroscavam de um jeito maluco até o pico, onde o
maior dos palácios resplandecia contra a neve. Jardins precariamente
encarapitados floresciam com oliveiras e roseiras. Pude distinguir um
mercado a céu aberto cheio de tendas coloridas, um anfiteatro de pedra
construído em um lado da montanha, um hipódromo e um coliseu do outro.
Era uma cidade grega antiga, só que não estava em ruínas. Era nova,
limpa e colorida, como Atenas deve ter sido há dois mil e quinhentos
anos.
Este palácio não pode estar aqui, disse para mim mesmo. A ponta de uma
montanha pendurada em cima da cidade de Nova York como um asteroide de
um bilhão de toneladas? Como podia uma coisa assim estar ancorada acima
do Edifício Empire State a plena vista de milhões de pessoas, e não ser
notada? Mas aqui estava. E aqui estava eu. Minha viagem pelo Olimpo foi
deslumbrante. Passei por algumas ninfas das florestas que deram
risadinhas e me atiraram azeitonas do seu pomar. No mercado, mascates se
ofereceram para vender ambrosia-no-palito, um escudo novo e uma réplica
genuína do Velocino de Ouro em tecido cintilante, conforme anunciado na
tevê Hefesto. As nove musas afinavam seus instrumentos para um concerto
no parque enquanto uma pequena multidão se reunia – sátiros, náiades e
um bando de adolescentes de boa aparência que talvez fossem deuses e
deusas menores.
Ninguém parecia preocupado com uma guerra civil iminente. De fato, todo
mundo parecia estar num estado de ânimo festivo. Vários se voltaram para
me ver passar e cochicharam entre si. Subi pela estrada principal rumo
ao grande palácio no pico. Era uma cópia invertida do palácio no Mundo
Inferior. Lá, tudo era preto e bronze. Aqui, tudo rebrilhava em branco e
prata. Dei-me conta de que Hades deve ter construído o seu palácio para
se parecer com este. Ele não era bem-vindo no Olimpo, exceto no
solstício de inverno, então construiu seu próprio Olimpo embaixo da
terra. A despeito da minha má experiência com ele, senti pena do cara.
Ser banido deste palácio parecia realmente injusto. Era de deixar
qualquer um amargo. Degraus levavam a um pátio central. Além dele, a
sala do trono. Sala não é exatamente a palavra certa. O lugar fazia a
Grande Estação Central parecer um armário de vassouras. Colunas maciças
se erguiam até um teto abobadado, que era decorado com constelações que
se moviam. Doze tronos, construídos para seres do tamanho de Hades,
estavam arrumados em um U invertido, exatamente como os chalés do
Acampamento Meio-Sangue. Uma enorme fogueira crepitava no braseiro
central. Os tronos estavam vazios com exceção de dois no fim: o trono
principal à direita e um imediatamente à sua esquerda. Ninguém precisou
me dizer quem eram os dois deuses que estavam sentados lá, esperando que
eu me aproximasse. Cheguei à frente deles com as pernas tremendo. Os
deuses estavam em forma humana gigante, como Hades estivera, mas eu mal
podia olhar para eles sem sentir um formigamento, como se o meu corpo
estivesse começando a queimar. Zeus, o Senhor dos Deuses, usava um terno
risca-de-giz azul-escuro. Estava sentado em um trono simples de platina
maciça. Tinha uma barba bem aparada, cinza-mármore e preta, como uma
nuvem de tempestade. Seu rosto era orgulhoso belo e severo, os olhos
tinham o tom cinzento da chuva. Quando me aproximei dele, o ar estralou e
senti cheiro de ozônio. O deus sentado ao lado dele era seu irmão, sem
dúvida, mas estava vestido de modo muito diferente. Lembrou-me um
catador de praia de Key West. Usava sandálias de couro, bermudas caqui e
uma camisa marca Tommy Bahama toda estampada de coqueiros e papagaios.
Sua pele tinha um bronzeado escuro e as mãos eram marcadas de cicatrizes
como as de um velho pescador. O cabelo era preto, como o meu. Seu rosto
tinha o mesmo ar taciturno que sempre me fez ser rotulado de rebelde.
Mas os olhos, verde-mar como os meus, eram rodeados de rugas que me
diziam que ele também sorria muito. Os deuses não estavam se movendo nem
falando, mas havia tensão no ar, como se tivessem acabado de discutir.
Aproximei-me do trono do pescador e me ajoelhei aos seus pés.
– Pai.
Não ousei olhar para cima. Meu coração estava disparado, eu podia sentir
a energia que emanava dos dois deuses. Se eu dissesse a coisa errada,
não havia dúvida de que eles poderiam me reduzir a pó. A minha esquerda,
Zeus falou:
– Você não deveria se dirigir primeiro ao senhor desta casa, menino? – Mantive a cabeça baixa e esperei.
– Paz, irmão – disse por fim Poseidon. Sua voz mexeu com as minhas
lembranças mais antigas: aquela sensação morna de que me lembrava, de
quando eu era bebê, a sensação da sua mão de deus sobre a minha testa. –
O menino submete-se ao seu pai. Está certo.
– Então você ainda o reclama como seu? – perguntou Zeus,
ameaçadoramente. – Você reclama esta criança que procriou contrariando o
nosso sagrado juramento?
– Eu admiti a minha transgressão – disse Poseidon. – E agora vou ouvi-lo falar.
Transgressão. Senti um nó na garganta. Era isso tudo o que eu era? Uma transgressão? O resultado do erro de um deus?
– Eu já o poupei uma vez – resmungou Zeus. – Ousando voar através dos
meus domínios... bah! Eu devia tê-lo mandado pelos ares, para fora do
céu pelo seu atrevimento.
– E correr o risco de destruir seu próprio raio-mestre? – perguntou Poseidon calmamente. – Vamos ouvi-lo, irmão.
Zeus resmungou mais um pouco.
– Ouvirei – resolveu. – E então decidirei se atirarei ou não este menino para fora do Olimpo.
– Perseu – disse Poseidon. – Olhe para mim.
Fiz isso, e não sei ao certo o que vi no seu rosto. Não havia sinal
claro de amor ou aprovação. Nada para me encorajar. Era como olhar para o
oceano: em alguns dias, era possível dizer como estava o seu humor. Na
maioria dos dias, no entanto, era impossível de ler, misterioso. Tive a
sensação de que Poseidon na verdade não sabia o que pensar de mim. Não
sabia se estava feliz por ter-me como filho ou não. De um modo estranho,
eu estava contente por Poseidon estar tão distante. Se ele tivesse
tentado se desculpar, ou dito que me amava, ou mesmo sorrido, teria
parecido falso. Como um pai humano, dando alguma desculpa pouco
convincente por não estar presente. Eu poderia viver com isso. Afinal,
eu mesmo também não estava muito seguro a respeito dele.
– Dirija-se ao Senhor Zeus, menino – disse-me Poseidon. – Conte a ele a sua história.
Então contei tudo a Zeus, exatamente como havia acontecido. Tirei da
mochila o cilindro de metal, que começou a fagulhar na presença do Deus
do Céu, e o pus aos seus pés. Houve um longo silêncio, quebrado apenas
pelo crepitar do fogo no braseiro.
Zeus abriu a palma da sua mão. O raio voou para dentro dela. Quando ele
fechou o punho, os pontos metálicos fulguraram com eletricidade, até ele
ficar segurando o que parecia mais um relâmpago clássico, um dardo de
seis metros feito de energia com centelhas chiantes que fez os meus
cabelos se eriçarem.
– Sinto que o menino diz a verdade – murmurou Zeus. – Mas não é nada típico de Ares fazer uma coisa assim.
– Ele é orgulhoso e impulsivo – disse Poseidon. – É coisa de família.
– Senhor? – chamei. Ambos disseram:
– Sim?
– Ares não agiu sozinho. Outra pessoa – ou outra coisa teve a ideia.
Descrevi os meus sonhos e a sensação que tive na praia, o momentâneo
hálito do mal que parecera parar o mundo e fizera Ares desistir de me
matar.
– Nos meus sonhos – disse eu – a voz me disse para levar o raio ao Mundo
Inferior. Ares insinuou que também estava tendo sonhos. Acho que ele
estava sendo usado, assim como eu, para começar uma guerra.
– Você está acusando Hades, afinal? – perguntou Zeus.
– Não – disse eu. – Quer dizer, Senhor Zeus, eu estive na presença de
Hades. A sensação na praia foi diferente. Era a mesma coisa que senti
quando cheguei perto daquele abismo. Aquela era entrada para o Tártaro,
não era? Alguma coisa poderosa e maligna está se agitando lá embaixo...
alguma coisa ainda mais antiga que os deuses.
Poseidon e Zeus se entreolharam. Eles tiveram uma rápida e intensa
discussão em grego antigo. Só peguei uma palavra. Pai. Poseidon fez
algum tipo de sugestão, mas Zeus o cortou. Poseidon tentou discutir.
Zeus ergueu a mão, zangado.
– Não vamos mais falar disso – disse Zeus. – Preciso ir pessoalmente
purificar este raio nas águas de Lemnos, para remover a mácula humana do
seu metal. – Ele se levantou e olhou para mim. Sua expressão se
suavizou uma fração de um grau. – Você me prestou um serviço, menino.
Poucos heróis poderiam ter conseguido tanto.
– Eu tive ajuda, senhor – disse eu. – Grover Underwood e Annabeth Chase...
– Para demonstrar minha gratidão, pouparei sua vida. Não confio em você,
Perseu Jackson. Não gosto do que a sua chegada significa para o futuro
do Olimpo. Mas, em nome da paz na família, eu o deixarei viver.
– Ahn... obrigado, senhor.
– Não ouse voar de novo. Não me deixe encontrá-lo aqui quando eu voltar. Ou irá provar este raio. E será a sua última sensação.
Um trovão sacudiu o palácio. Com um clarão ofuscante, Zeus se foi. Eu estava sozinho na sala do trono com meu pai.
– O seu tio – suspirou Poseidon – sempre teve um talento especial para
saídas teatrais. Acho que ele teria se saído bem como o deus do teatro.
Um silêncio constrangedor.
– Senhor – disse eu – o que havia naquele abismo?
Poseidon olhou atentamente para mim.
– Você não adivinhou?
– Cronos – disse eu. – O rei dos Titãs.
Mesmo na sala do trono do Olimpo, longe do Tártaro, o nome Cronos
escureceu o ambiente, e fez o fogo no braseiro não parecer mais tão
quente nas minhas costas. Poseidon segurou o seu tridente.
– Na Primeira Guerra Mundial, Percy, Zeus cortou o nosso pai Cronos em
mil pedaços, exatamente como Cronos fizera com seu próprio pai, Urano.
Zeus lançou os restos de Cronos no mais escuro abismo do Tártaro. O
exército dos Titãs foi dispersado, sua fortaleza na montanha sobre o
Etna, destruída, seus monstruosos aliados foram expulsos para os cantos
mais distantes da Terra. E, contudo, Titãs não podem morrer, não mais
que nós, deuses. O que resta de Cronos ainda vive de algum modo
hediondo, ainda consciente em seu sofrimento eterno, ainda com fome de
poder.
– Ele está se curando – disse eu. – Ele vai voltar.
Poseidon sacudiu a cabeça.
– De tempos em tempos, no decorrer das eras, Cronos se agita. Ele entra
nos pesadelos dos homens e exala pensamentos malignos. Desperta monstros
inquietos das profundezas. Mas sugerir que ele pode erguer-se do abismo
é outra coisa.
– É o que ele pretende, pai. É o que ele disse.
Poseidon ficou em silêncio por um bom tempo.
– O Senhor Zeus encerrou a discussão sobre o assunto. Ele não permitirá
que se fale de Cronos. Você completou a sua missão, criança. É tudo o
que precisa fazer.
– Mas... – eu me interrompi. Discutir não iria adiantar nada. Muito
possivelmente, irritaria o único deus que eu tinha do meu lado. –
Como... como queira, pai.
Um leve sorriso brincou nos lábios dele.
– A obediência não lhe vem naturalmente, não é?
– Não... senhor.
– Devo ter alguma culpa por isso, imagino. O mar não gosta de ser
contido. – Ele se ergueu em toda a sua altura e pegou seu tridente.
Então tremeluziu e ficou do tamanho de um homem normal, em pé diante de
mim. – Você precisa ir, criança. Mas primeiro saiba que sua mãe
retornou.
Olhei para ele, completamente perplexo.
– Minha mãe?
– Você a encontrará em casa. Hades a enviou quando recuperou seu elmo. Até mesmo o Senhor da Morte paga as suas dívidas.
Meu coração disparou. Eu mal podia acreditar.
– Você... você vai...
Eu queria perguntar se Poseidon viria comigo para vê-la, mas então
percebi que isso era ridículo. Imaginei-me embarcando com o Deus do Mar
em um táxi e levando-o para o Upper East Side. Se durante todos aqueles
anos ele tivesse desejado ver minha mãe, teria visto. E também era
preciso pensar que Gabe Cheiroso estava lá. Os olhos de Poseidon ficaram
um pouco tristes.
– Quando você voltar para casa, Percy, precisará fazer uma escolha
importante. Irá encontrar um pacote esperando por você no seu quarto.
– Um pacote?
– Você entenderá quando o vir. Ninguém pode escolher o seu caminho, Percy. Você terá de decidir.
Assenti, embora sem saber o que ele queria dizer.
– Sua mãe é uma rainha entre as mulheres – disse Poseidon saudosamente. –
Não conheci nenhuma mulher mortal como ela em mil anos. Ainda assim...
sinto muito por você ter nascido, criança. Eu trouxe para você um
destino de herói, e um destino de herói nunca é feliz. Não passa de um
destino trágico.
Tentei não me sentir magoado. Ali estava o meu próprio pai, dizendo que sentia muito por eu ter nascido.
– Eu não me importo, pai.
– Ainda não, talvez – disse ele. – Ainda não. Mas foi um erro imperdoável da minha parte.
– Vou deixá-lo, então. – Eu me inclinei, desajeitado. – Não... não vou incomodá-lo de novo.
Eu estava a cinco passos de distância quando ele chamou:
– Perseu. – Eu me virei. Havia uma luz diferente em seus olhos, um tipo
flamejante de orgulho. – Você se saiu bem, Perseu. Não me entenda mal. O
que quer que ainda faça, saiba que você é meu. Você é um verdadeiro
filho do Deus do Mar.
Enquanto eu caminhava de volta pela cidade dos deuses, as conversas se
interromperam. As musas pararam seu concerto. Pessoas, sátiros e
náiades, todos se voltavam para mim, os rostos plenos de respeito e
gratidão, e quando eu passava eles se ajoelhavam, como se eu fosse algum
tipo de herói.
Quinze minutos depois, ainda em transe, eu estava de volta às ruas de
Manhattan. Peguei um táxi para o apartamento da minha mãe, toquei a
campainha, e lá estava ela – minha linda mãe, cheirando a hortelã e
alcaçuz, e o cansaço e a preocupação se evaporaram do seu rosto assim
que ela me viu. – Percy! Oh, graças a Deus! Oh, meu querido.
Ela me apertou até não poder mais. Ficamos no vestíbulo enquanto ela
chorava e passava as mãos pelos meus cabelos. Eu admito – meus olhos
também ficaram um pouco nublados. Eu tremia, de tão aliviado que estava
por vê-la. Ela me contou que simplesmente aparecera no apartamento
naquela manhã, deixando Gabe meio fora de si de tão apavorado. Não se
lembrava de nada desde o Minotauro, e não pôde acreditar quando Gabe lhe
disse que eu era um criminoso procurado, viajando pelo país e
explodindo monumentos nacionais. Ficara louca de preocupação o dia
inteiro porque não ouvira as notícias. Gabe a forçara a ir trabalhar,
dizendo que ela precisava um mês de salário para compensar, e era melhor
começar. Engoli a raiva e contei-lhe minha própria história. Tentei
fazer que parecesse menos apavorante do que fora, mas não era fácil.
Estava justamente chegando à luta com Ares quando a voz de Gabe irrompeu
da sala de estar.
– Ei, Sally! Aquele bolo de carne já está pronto ou não?
Ela fechou os olhos.
– Ele não vai ficar muito feliz em vê-lo, Percy. A loja recebeu um
milhão de telefonemas de Los Angeles hoje... alguma coisa sobre
eletrodomésticos grátis. – Ah, sim. Quanto a isso...
Ela conseguiu sorrir fracamente.
– Só não o deixe ainda mais zangado, certo? Venha.
No mês em que estive fora, o apartamento se transformara em Gabelândia.
Havia lixo no tapete até a altura dos tornozelos. O sofá tinha sido
estofado de novo com latas de cerveja. Meias e roupas de baixo sujas
estavam penduradas nos abajures. Gabe e três dos seus amigos cretinos
estavam sentados à mesa jogando pôquer. Quando Gabe me viu, o charuto
caiu da boca. A cara dele ficou mais vermelha que lava.
– Você é muito descarado de vir aqui, seu pequeno punk. Eu pensei que a polícia...
– Ele não é um fugitivo, afinal – interrompeu minha mãe. – Não é maravilhoso, Gabe?
Gabe olhou para um lado e para outro entre nós. Não parecia achar que a minha volta para casa fosse assim tão maravilhosa.
– Já não basta ter de devolver o dinheiro do seu seguro de vida, Sally – rosnou ele. – Me dê o telefone. Vou chamar a polícia.
– Gabe, não!
Ele ergueu as sobrancelhas.
– Você disse não! Acha que eu vou ter de aguentar esse punk de novo?
Ainda posso registrar queixa contra ele por destruir o meu Camaro.
– Mas...
Ele levantou a mão e minha mãe se encolheu. Pela primeira vez me dei
conta de uma coisa. Gabe já tinha batido na minha mãe. Não sei quando,
nem quanto. Talvez estivesse acontecendo há anos, quando eu não estava
por perto. Um balão de raiva começou a se expandir no meu peito. Avencei
para Gabe, instintivamente tirando minha caneta do bolso. Ele apenas
riu.
– O que foi, punk? Vai escrever em mim? Encoste em mim, e irá para a cadeia para sempre, entendeu?
– Ei, Gabe – seu amigo Eddie interrompeu. – Ele é só uma criança.
Gabe olhou para ele irritado e macaqueou em voz de falsete:
– Ele é só uma criança! – Seus outros amigos riram como idiotas. – Eu
vou ser bonzinho com você, punk. – Gabe mostrou os dentes manchados de
tabaco. – Vou lhe dar cinco minutos para pegar suas coisas e dar o fora.
Depois disso, chamo a polícia.
– Gabe! – implorou minha mãe.
– Ele fugiu – disse Gabe a ela. – Que continue fugido.
Eu estava sentindo uma comichão para destampar Contracorrente, mas mesmo
que fizesse isso, a lâmina não podia ferir seres humanos. E Gabe,
segundo a mais vaga das definições, era um ser humano. Minha mãe segurou
meu braço.
– Por favor, Percy. Venha. Vamos para o seu quarto.
Deixei que ela me puxasse, as mãos ainda tremendo de raiva. Meu quarto
tinha sido completamente abarrotado com o lixo de Gabe. Havia pilhas de
baterias velhas de carro, um buquê apodrecido de flores de solidariedade
com um cartão de alguém que assistira sua entrevista com Barbara
Walters.
– Gabe está apenas chateado, querido – disse minha mãe. – Vou falar com ele mais tarde. Tenho certeza de que vai dar certo.
– Mamãe, nunca vai dar certo. Não enquanto Gabe estiver aqui.
Ela torceu as mãos nervosamente.
– Eu posso... vou levar você comigo para o trabalho durante o resto do verão. No outono talvez haja algum outro internato...
– Mamãe.
Ela baixou os olhos.
– Estou tentando, Percy. Eu só... só preciso de algum tempo.
Um pacote apareceu em cima da minha cama. Pelo menos, eu poderia jurar
que não estava lá um momento antes. Era uma caixa de papelão surrada
mais ou menos do tamanho certo para conter uma bola de basquete. O
endereço na etiqueta estava na minha própria caligrafia:
Aos deuses
Monte Olimpo, 600° andar
Edifício Empire State
Nova York, NY
Com os melhores votos, Percy Jackson
No topo da caixa, em marcador preto, na caligrafia clara e forte de um
homem, estava o endereço do nosso apartamento, e as palavras: RETORNAR
AO REMETENTE. De repente entendi o que Poseidon me dissera no Olimpo. Um
pacote. Uma decisão. O que quer que ainda faça, saiba que você é meu.
Você é um verdadeiro filho do Deus do Mar. Olhei para a minha mãe.
– Mãe, você quer se livrar do Gabe?
– Percy, não é tão simples. Eu...
– Mãe, apenas me diga. Aquele cretino está batendo em você. Você quer que ele se vá ou não?
Ela hesitou, depois assentiu quase imperceptivelmente.
– Sim, Percy. Eu quero. E estou tentando reunir coragem para dizer a
ele. Mas você não pode fazer isso por mim. Você não pode resolver os
meus problemas.
Eu olhei para a caixa. Eu podia resolver o problema dela. Queria abrir
aquele pacote, botá-lo sobre a mesa de pôquer e tirar o que havia
dentro. Podia começar o meu próprio jardim de estátuas bem ali na sala
de estar. E o que um herói grego faria nas histórias, pensei. É o que
Gabe merece. Mas a história de um herói sempre termina em tragédia.
Poseidon me dissera isso. Lembrei-me do Mundo Inferior. Pensei no
espírito de Gabe à deriva nos Campos de Asfódelos, ou condenado a alguma
tortura horrível atrás do arame farpado dos Campos da Punição – sentado
em um eterno jogo de pôquer, mergulhado até a cintura em óleo fervente
ou ouvindo música de ópera. Será que eu tinha o direito de mandar alguém
para lá? Mesmo Gabe? Um mês atrás, eu não teria hesitado. Agora...
– Eu posso fazer isso – disse à minha mãe. – Uma espiada para o que há
dentro desta caixa, e ele nunca mais a incomodará de novo.
Ela deu uma olhada para o pacote e pareceu entender imediatamente.
– Não, Percy – disse ela afastando-se. – Você não pode.
– Poseidon chamou você de rainha – contei-lhe. – Ele disse que não conheceu nenhuma mulher como você em mil anos.
Suas faces coraram.
– Percy...
– Você merece coisa melhor do que isso, mãe. Você devia ir para a
faculdade, tirar o seu diploma. Podia escrever o seu romance, conhecer
um cara legal, quem sabe, e viver numa bela casa. Você não precisa mais
me proteger ficando com Gabe, Deixe que eu me livre dele.
Ela enxugou uma lágrima do rosto.
– Você se parece tanto com o seu pai – disse ela. – Uma vez propôs parar
a maré por mim. Propôs construir um palácio para mim no fundo do mar,
achava que podia resolver todos os meus problemas com um aceno de mão.
– O que há de errado nisso?
Seus olhos multicoloridos pareceram investigar dentro de mim.
– Eu acho que você sabe, Percy, Eu acho que você é parecido o bastante
comigo para entender. Se é para a minha vida ter algum significado,
tenho de vivê-la eu mesma. Não posso deixar que um deus cuide de mim...
ou meu filho, Eu preciso... encontrar a coragem sozinha, a sua missão me
fez lembrar disso.
Ouvimos o som das fichas de pôquer e pragas, e a ESPN n televisão da sala de estar.
– Vou deixar a caixa – disse eu – se ele a ameaçar...
Ela empalideceu, mas assentiu.
– Aonde você vai, Percy?
– Colina Meio-Sangue.
– Passar o verão... ou para sempre?
– Ainda não sei.
Nossos olhos se encontraram, e eu senti que tínhamos um acordo. Veríamos
como estariam as coisas no fim do verão. Ele beijou a minha testa.
– Você será um herói, Percy, o maior de todos. Passei os olhos pelo
quarto pela última vez, tinha a sensação de que nunca mais o veria de
novo. Então fui com minha mãe até a porta da frente.
– Indo embora tão cedo, punk? – gritou Gabe atrás de mim. – Já vai tarde!
Senti uma última ponta de dúvida. Como eu podia rejeitar a oportunidade
perfeita para me vingar dele? Eu estava indo embora daqui sem salvar a
minha mãe.
– Ei, Sally! – berrou ele. – E aquele bolo de carne, hein? Uma expressão
de raiva, dura como aço, brilhou nos olhos da minha mãe, e eu pensei,
quem sabe, talvez eu a estivesse deixando em boas mãos afinal: as dela
mesma.
– O bolo de carne já está saindo, meu bem – disse ela a Gabe. – Um bolo de carne surpresa.
Olhou para mim e piscou. A última coisa que vi quando a porta se fechou
foi minha mãe olhando para Gabe com jeito de quem imagina que ele daria
uma ótima estátua de jardim.
Quanta tensão meu Zeus, amo demais
ResponderExcluirEla tem gosto para pessoas que dariam em boas estátuas
ResponderExcluirAlguem chama a Medusa achamos a Estátua perfeita!
ResponderExcluirFinalmente! Alguém que merecia conhecer o submundo de Hades e virar mais um produto da tia Ame
ResponderExcluireme
ExcluirVai virar um brinquedo pro cerbero
ExcluirCara papai hades vai se divertir com vc
ResponderExcluir"Ele estava lendo um livro enorme com a imagem de um feiticeiro na capa"
ResponderExcluirEu: HARRY POTTER! Ô HARRY POTTER!!!
Então kkkk
ExcluirA referência perfeita! Rs
Excluiramoooooooo
ResponderExcluirentão Hades pode dar ele pros cachorrinhos, uma ração muito azeda
ResponderExcluirNós apenas assentimos e nos fizemos de chorosos e exaustos (o que não foi difícil)
ResponderExcluirKkakkakakakak tadinhos
Este livro é simplesmente maravilhoso, cada capítulo e cada texto são incríveis amei ler ele, este livro é fenomenal de todos os jeitos.
ResponderExcluirMuito foda
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