Não precisei de muito tempo para fazer as malas. Decidi deixar o cifre
do Minotauro no meu chalé, então só restaram uma muda extra de roupas e
uma escova de dentes para enfiar numa mochila que Grover encontrara para
mim.
A loja do acampamento me emprestou cem dólares em dinheiro mortal e
vinte dracmas de ouro. Essas moedas eram grandes como um biscoito
gigante, tinham imagens de diversos deuses gregos estampadas de um lado e
o Edifício Empire States do outro. Os dracmas dos mortais antigos eram
de prata, Quíron nos contou, mas os olimpianos nunca usavam nada menos
que ouro puro. Quíron disse que as moedas poderiam vir a calhar para
transações não-mortais – o que quer que isso significasse. Ele deu a
Annabeth e a mim um cantil de néctar e um saco hermético cheio de
quadradinhos de ambrósia, para usar somente em emergências, se fôssemos
gravemente feridos. Aquilo
era o alimento dos deuses, Quíron lembrou. Iria nos curar de qualquer
ferimento, mas era letal para mortais. Em excesso, poderia deixar um
meio-sangue com muita, muita febre. Uma overdose nos faria pegar fogo,
literalmente.
Annabeth carregava seu boné mágico dos Yankees, que era, ela me contou,
um presente da mãe pelo seu décimo segundo aniversario. Ela levou um
livro sobre a famosa arquitetura clássica, escrito em grego antigo, para
ler quando estivesse entediada, e carregava uma comprida faca de bronze
escondida na manga da camisa. Eu tinha certeza de que a faca ia nos
causar problemas na primeira vez em que passássemos por um detector de
metais.
Grover estava com seus pés falsos e calças para passar por ser humano.
Usava uma touca verde estilo rastafári, porque, quando chovia, seu
cabelo encaracolado se achatava, deixando aparecer a ponta dos chifres.
Sua mochila berrante, alaranjada, estava cheia de sucata de metal e
maçãs para o lanche. Em seu bolso havia um conjunto de flautas de bambu
que o papai-bode esculpira para ele, muito embora ele só conhecesse duas
músicas: o Concerto para Piano n° 12, de Mozart, e So Yesterday, de
Hilary Duff, e ambas soassem muito mal em flautas de bambu.
Acenamos em despedida para os outros campistas, demos uma última olhada
para os campos de morangos, o oceano e a Casa Grande, depois subimos a
Colina Meio-Sangue até o alto pinheiro que outrora fora Thalia, filha de
Zeus.
Quíron nos esperava em sua cadeira de rodas. Ao lado dele estava o
surfista que eu tinha visto quando me recuperava no quarto doente. De
acordo com Grover, o cara era chefe de segurança do acampamento.
Supostamente, tinha olhos espalhados pelo corpo inteiro para jamais ser
pego de surpresa. Naquele dia, no entanto, usava uniforme de chofer,
então só pude ver os olhos extras das mãos, do rosto e do pescoço.
– Este é Argos – disse Quíron. – Vai levar vocês de carro até a cidade e, ahn, bem, ficar de olho em tudo.
Ouvi passos atrás de nós.
Luke veio correndo colina acima, carregando um par de tênis de basquete.
– Ei! – ofegou ele. – Ainda bem que alcancei vocês.
Annabeth corou, como sempre acontecia quando Luke estava por perto.
– Só queria desejar boa sorte – disse ele para mim. – E pensei... ahn, quem sabe você poderia usar isso.
Ele me entregou os tênis, que pareciam bastante normais. Tinham até cheiro de normais.
Luke disse:
– Maia!
Asas brancas de ave brotaram dos calcanhares, deixando-me tão surpreso
que os deixei cair. Os tênis bateram as asas no chão até que estas se
dobraram e desapareceram.
– Impressionante! – disse Grover.
Luke sorriu.
– Ajudaram muito quando eu estava na minha missão. Presente do papai. É
claro, eu não os uso muito hoje em dia... – Sua expressão tornou-se
triste.
Eu não sabia o que dizer. Já era bem legal o fato de Luke ter ido se
despedir. Tinha receio de que ele estivesse magoado comigo por ter ganho
tanta atenção nos últimos dias. Mas ali estava ele, com um presente
mágico... Aquilo me fez corar quase tanto quanto Annabeth.
– Ei, cara, obrigado.
– Escute, Percy... – Luke pareceu sem graça. – Todos esperam muito de você. Então, apenas... mate alguns monstros por mim, ok?
Trocamos um aperto de mãos. Luke afagou a cabeça de Grover entre os
chifres e depois deu um grande abraço em Annabeth, que pareceu que ia
desmaiar.
Depois que Luke se foi, eu disse a ela:
– Você está com a respiração acelerada.
– Não estou, não.
– Você o deixou capturar a bandeira em seu lugar, não foi?
– Ai... por que mesmo eu quero ir a algum lugar com você, Percy?
Ela desceu batendo os pés para outro lado da colina, onde um utilitário
esportivo branco esperava no acostamento da estrada. Argos a seguiu,
balançando as chaves do carro.
Peguei os tênis voadores e tive uma súbita sensação ruim. Olhei para Quíron.
– Eu não vou poder usar isso, não é?
Ele sacudiu a cabeça.
– A intenção de Luke foi boa, Percy. Mas subir para o ar... não seria muito inteligente de sua parte.
Eu assenti, desapontado, mas então tive uma ideia.
– Ei, Grover. Você quer um apetrecho mágico?
Seus olhos se iluminaram.
– Eu?
Rapidamente, amarramos os tênis por cima dos seus falsos pés, e o
primeiro menino-bode voador do mundo estava pronto para o lançamento.
– Maia! – bradou.
Ele se ergueu do chão muito bem, mas então tombou de lado e sua mochila
arrastou-se pela grama. Os tênis alados ficaram corcoveando para o alto e
para baixo como minúsculos cavalos selvagens.
– Prática – gritou Quíron para ele. – Você só precisa de prática.
– Aaaaaa! – Grover saiu voando de lado colina baixo, como um cortador de grama ensandecido, em direção à van.
Antes que eu pudesse segui-lo, Quíron segurou meu braço.
– Eu devia tê-lo treinado melhor, Percy – disse ele. – Se ao menos
tivesse tido mais tempo. Hércules, Jasão... todos receberam mais
treinamento.
– Tudo bem. Só queria...
Eu me interrompi pois estava prestes a soar como uma criança mimada.
Queria que meu pai tivesse me dado uma coisa mágica legal para ajudar na
minha missão, algo tão bom quanto os tênis voadores de Luke ou o boné
invisível de Annabeth.
– Onde estou com a cabeça? – exclamou Quíron. – Não posso deixar você ir sem isso.
Ele puxou uma caneta do bolso do casaco e me entregou. Era uma
esferográfica descartável comum, tinta preta, tampa removível. Custava
provavelmente trinta centavos.
– Puxa – disse eu. – Obrigado.
– Percy, isto foi um presente de seu pai. Guardei durante anos, sem
saber que era você que eu estava esperando. Mas a profecia agora está
clara para mim. Você é o escolhido.
Lembrei-me da excursão ao Metropolitan Museum of Art, quando reduzi a pó
a Sra. Dodds. Quíron me jogara uma caneta que se transformou em espada.
Será que aquilo era...?
Tirei a tampa, e a caneta ficou mais comprida e pesada em minha mão. Em
meio segundo eu estava segurando uma reluzente espada de bronze com
lâmina de fio duplo, cabo envolvido em couro e uma guarda chata rebitada
com pinos de ouro. Era a primeira arma que realmente parecia
equilibrada em minha mão.
– A espada tem uma história longa e trágica, sobre a qual não precisamos falar – contou-me Quíron. – Seu nome é Anaklusmos.
– Contracorrente – traduzi, surpreso que o grego antigo me tenha vindo tão fácil.
– Mas só a use para emergências – disse Quíron – e apenas contra
monstros. Nenhum herói deve ferir mortais, só se for absolutamente
necessário, é claro, mas esta espada não os feriria em nenhum caso.
Olhei para a lâmina cruelmente afiada.
– Como assim, não feriria mortais? Como ela pode não ferir?
– A espada é de bronze celestial. Forjada pelos Ciclopes, temperada no
coração do monte Etna, resfriada no rio Lete. É mortífera para monstros,
para qualquer criatura do Mundo Inferior, desde que não matem você
primeiro. Mas a lâmina passará através de mortais como uma ilusão. Eles
não são bastante importantes para serem mortos pela lâmina. E devo
avisá-lo: como um semideus, você pode ser morto tanto por armas
celestiais quanto por armas normais. Você é duas vezes mais vulnerável.
– Bom saber.
– Agora recoloque a tampa na caneta.
Encostei a tampa da caneta na ponta da espada e instantaneamente
Contracorrente encolheu e se transformou de novo em uma esferográfica.
Enfiei-a no bolso um pouco nervoso, porque na escola tinha a fama de
perder canetas.
– Não há riscos – disse Quíron.
– De quê?
– De perder a caneta – disse ele. – É encantada. Sempre vai reaparecer no seu bolso. Experimente.
Eu estava desconfiado, mas atirei a caneta o mais longe que pude colina abaixo e a vi desaparecer na grama.
– Pode levar alguns instantes – disse Quíron. – Agora verifique o bolso.
Sem dúvida, a caneta estava lá.
– Certo, isso é muito legal – admiti. – Mas e se um mortal me vir puxando uma espada?
Quíron sorriu.
– A Névoa é algo poderoso, Percy.
– A Névoa?
– Sim. Leia a Ilíada. Está cheia de referências a isso. Sempre
que elementos divinos ou monstruosos se misturam com o mundo mortal,
eles geram a Névoa, que tolda a visão dos seres humanos. Você verá as
coisas exatamente como são, sendo um meio-sangue, mas os seres humanos
interpretarão tudo de modo muito diferente. É realmente incrível até que
ponto os seres humanos podem ir para adaptar as situações à sua
concepção de
realidade.
Pus Contracorrente de volta no bolso. Pela primeira vez, senti a missão
como algo real. Eu estava de fato deixando a Colina Meio-Sangue. Estava
indo para o oeste sem nenhuma supervisão de adulto, sem um plano B, nem
mesmo um telefone celular. (Quíron disse que os telefones podiam ser
rastreados por monstros; se usasse um, seria pior do que lançar um
foguete de sinalização.) Eu não tinha nenhuma arma mais poderosa do que
uma espada para combater monstros e chegar à Terra dos Mortos.
– Quíron... – falei. – Quando você diz que os deuses são imortais... quer dizer, havia um tempo antes deles, certo?
– Uma era antes deles, na verdade. O Tempo dos Titãs foi a Quarta Era,
às vezes chamada de Era de Ouro, o que sem dúvida é um nome impróprio.
Esta época, a época da civilização ocidental e reinado de Zeus, é a
Quinta Era.
– Então como era... antes dos deuses?
Quíron contraiu os lábios.
– Nem mesmo eu sou bastante velho para me lembrar disso, criança, mas
sei que era um tempo de trevas e selvageria para os mortais. Cronos, o
Senhor dos Titãs, chamou seu reinado de Era de Ouro porque os homens
viviam em inocência e livres de todo o conhecimento. Mas isso era mera
propaganda. O rei Titã não se importava nada com sua espécie a não ser
para servir de aperitivo, ou como fonte de entretenimento. Foi só no
início do reinado do Senhor Zeus, quando Prometeu, o bom Titã, trouxe o
fogo para a humanidade, que sua espécie começou a evoluir, e mesmo então
Prometeu foi estigmatizado como pensador radical. Zeus o castigou
severamente, como você deve se lembrar. É claro, por fim os deuses se
interessaram pelos seres humanos, e nasceu a civilização ocidental.
– Mas agora os deuses não podem morrer, certo? Quero dizer, enquanto a
civilização ocidental estiver viva, eles estarão vivos. Assim... mesmo
se eu fracassar, nada pode acontecer de tão ruim a ponto de estragar
tudo, certo?
Quíron me deu um sorriso melancólico.
– Ninguém sabe quanto tempo a Era do Ocidente irá durar, Percy. Os
deuses são imortais, sim. Mas os Titãs também eram imortais. Eles ainda
existem, trancados em suas várias prisões, forçados a suportar dores e
castigos infinitos, com o poder reduzido, mas ainda muito vivos. Que as
Parcas não permitam que os deuses sofram tal maldição, ou que retornemos
às trevas e aos caos do passado. Tudo o que podemos fazer, criança, é
seguir nosso destino.
– Nosso destino... presumindo que saibamos qual é.
– Relaxe – disse-me Quíron. – Mantenha as ideias no lugar. E lembre-se,
você pode estar a ponto de evitar a maior guerra da história humana.
– Relaxe – disse eu. – Estou muito relaxado.
Quando cheguei ao pé da colina, olhei para trás. Sob o pinheiro que
outrora era Thalia, filha de Zeus, Quíron estava em plena forma de
homem-cavalo, segurando no alto seu arco em saudação. Uma típica
despedida do acampamento de verão pelo seu típico centauro.
Argos nos levou para fora da zona rural em direção ao oeste de Long
Island. Era esquisito estar novamente em uma autoestrada, com Annabeth e
Grover sentados ao meu lado como se fôssemos caronas normais. Depois de
duas semanas na Colina Meio-Sangue, o mundo real parecia uma fantasia.
Surpreendi-me olhando para cada McDonald’s, cada criança no banco
traseiro do carro dos pais, cada cartaz e cada Shopping Center.
– Até agora, tudo bem – disse a Annabeth. – Quinze quilômetros e nem um único monstro.
Ela me lançou um olhar irritado.
– Falar desse jeito traz má sorte, cabeça de alga.
– Ajude-me a lembrar: por que você me odeia tanto?
– Eu não odeio você.
– Posso estar enganado.
Ela dobrou o boné de invisibilidade.
– Olhe... é só que não deveríamos nos dar bem, ok? Nossos pais são rivais.
– Por quê?
Ela suspirou.
– Quantas razões você quer? Uma vez minha mãe pegou Poseidon com a namorada dele no templo de Atena, o que é superdesrespeitoso.
Outra vez, Atena e Poseidon competiram para ser o deus patrono da
cidade de Atenas. Seu pai criou uma estúpida fonte de água salgada como
presente. Minha mãe criou a oliveira. As pessoas viram que o presente
dela era melhor, portanto deram à cidade o nome dela.
– Elas realmente devem gostar de azeitonas.
– Ah, deixa pra lá.
– Agora, se ela tivesse inventado a pizza... isso eu poderia entender.
– Eu disse: deixa pra lá.
No assento dianteiro, Argos sorriu. Ele não disse nada, mas olho azul na sua nuca piscou para mim.
O trânsito ficou lento no Queens. Quando chegamos a Manhattan já era pôr
do sol e começava a chover. Argos nos largou na Estação Greyhound no
Upper East Side, não longe do apartamento de minha mãe e Gabe. Em uma
caixa de correio, preso com fita adesiva, havia um folheto encharcado
com meu retrato: VOCÊ VIU ESTE MENINO?
Eu o arranquei antes que Annabeth e Grover pudessem vê-lo.
Argos descarregou nossas malas, certificou-se de que havíamos conseguido
as passagens de ônibus e então foi embora, o olho nas costas de sua mão
se abrindo para nos observar enquanto tirava o carro do estacionamento.
Pensei em como estava perto do meu velho apartamento. Em um dia normal,
minha mãe estaria chegando em casa da doceria mais ou menos naquela
hora. Gabe Cheiroso provavelmente estava lá, jogando pôquer, sem nem
sentir a falta dela.
Grover pôs sua mochila nos ombros. Olhou rua abaixo, na direção em que eu estava olhando.
– Quer saber por que ela se casou com ele, Percy?
Olhei para ele.
– Você está lendo a minha mente ou coisa assim?
– Só as suas emoções. – Ele encolheu os ombros. – Acho que me esqueci de
contar que os sátiros podem fazer isso. Você estava pensando na sua mãe
e no seu padrasto, certo?
Eu assenti, me perguntando o que mais Grover teria esquecido de contar.
– Sua mãe se casou com gabe por você – Grover me contou. – Você o chama
de “Cheiroso”, mas não tem ideia. O cara tem essa aura... Eca, eu posso
sentir o cheiro dele daqui. Posso sentir vestígios do cheiro dele em
você, e já faz uma semana que você esteve perto dele.
– Obrigado – falei. – Onde fica o chuveiro mais próximo?
– Você devia ser grato, Percy. Seu padrasto tem um cheiro tão
repulsivamente humano que pode mascarar a presença de qualquer semideus.
Assim que inalei o ar dentro do seu Camaro, eu soube: Gabe esteve
encobrindo seu cheiro por anos. Se você não tivesse morado com ele
durante todos os verões, provavelmente teria sido encontrado por
monstros muito tempo atrás. Sua mãe ficou com ele para proteger você.
Era uma senhora esperta. Devia amar muito você para aturar aquele
cara... se é que isso o faz se sentir melhor.
Não fazia, mas me forcei para não demonstrar. Eu a varei de novo, pensei. Ela não se foi.
Fiquei imaginando se Grover ainda podia ler as minhas emoções, confusas
como estavam. Estava grato por ele e Annabeth estarem comigo, mas me
sentia culpado porque não fora sincero com eles. Não lhes contara a
verdadeira razão de ter dito sim para aquela missão maluca.
A verdade era que eu não me importava em recuperar o relâmpago de Zeus,
em salvar o mundo ou mesmo em ajudar meu pai a sair da encrenca. Quanto
mais pensava nisso, mas me ressentia de Poseidon por nunca ter me
visitado, nunca ter ajudado a minha mãe, nunca se quer mandado uma droga
de cheque de pensão alimentícia. Ele só me reconhecera porque tinha um
serviço a ser feito.
Eu só me preocupava com minha mãe. Hades a levara injustamente, e Hades iria devolvê-la.
Você será traído por aquele que chama de amigo, sussurrou o Oráculo em minha mente. E, no fim, irá fracassar em salvar aquilo que mais importa.
Cale a boca, respondi.
A chuva continua caindo.
Ficamos impacientes esperando o ônibus e decidimos brincar de footbag
com uma das maçãs de Grover. Annabeth foi incrível. Ela era capaz de
arremeter a maçã com o joelho, com o cotovelo, com o ombro, ou o que
fosse. Eu mesmo não era de todo ruim. O jogo terminou quando arremessei a
maçã para Grover e ela chegou perto demais da sua boca. Em uma
megamordida de bode, nossa footbag desapareceu – miolo, pedúnculo e
tudo.
Grover enrubesceu. Ele tentou se desculpar, mas Annabeth e eu estávamos muito ocupados dando risada.
Finalmente o ônibus chegou. Enquanto estávamos na fila para embarcar,
Grover começou a olhar em volta, farejando o ar do jeito como farejava
seu lanche favorito na cantina da escola – enchiladas.
– O que foi isso? – perguntei.
– Não sei – disse ele, tenso. – Talvez não seja nada.
Mas podia perceber que era alguma coisa. Também comecei a olhar para trás por cima do ombro.
Fiquei aliviado quando afinal embarcamos e encontramos lugar juntos na
parte de trás do ônibus. Guardamos nossas mochilas. Annabeth batia
nervosamente seu boné dos Yankees na coxa.
Quando os últimos passageiros subiram, Annabeth apertou com força o meu joelho.
– Percy.
Uma senhora acabava de embarcar no ônibus. Usava vestido de veludo
amarrotado, luvas de renda e chapéu laranja, tricotado e disforme, que
encobria seu rosto, e carregava uma grande bolsa de lã estampada. Quando
ergueu a cabeça seus olhos pretos faiscaram, e meu coração deu um pulo.
Era a Sra. Dodds. Mais velha, mas enrugada, mas sem dúvida a mesma cara maligna. Eu me encolhi no assento.
Atrás dela subiram mais duas senhoras: uma de chapéu verde, outra de
chapéu roxo. A não ser por isso, eram parecidíssimas com a Sra. Dodds –
as mesmas mãos encarquilhadas, as mesmas bolsas de lã, os mesmo vestidos
de veludo enrugados. Um trio de avós demoníacas.
Elas se sentaram na fileira da frente, logo atrás do motorista. As duas
no corredor cruzaram as pernas bem na passagem, formando um X. Aquilo
era bastante normal, mas enviava uma mensagem clara: ninguém sai.
O ônibus partiu da estação e seguimos pelas ruas escorregadias de Manhattan.
– Ela não ficou morta muito tempo – disse eu, tentando impedir minha voz
de tremer. – Achei que você tivesse dito que eles podem ser afastados
por toda uma vida.
– Eu disse, se você tiver sorte – disse Annabeth. – Você obviamente não tem.
– Todas as três – choramingou Grover. – Di immortales!
– Está tudo bem – disse Annabeth, obviamente se empenhando em pensar. –
As Fúrias. Os três piores monstros do Mundo Inferior. Sem problemas. Sem
problemas. Vamos simplesmente saltar pelas janelas.
– Não abrem – gemeu Grover.
– Uma saída nos fundos? – sugeriu ela.
Não havia nenhuma. E, mesmo que houvesse, não teria ajudado. Àquela
altura, estávamos na Nona Avenida, em direção ao Túnel Lincoln.
– Elas não vão nos atacar com testemunhas em volta – disse eu. – Ou vão?
– Os mortais não têm bons olhos – lembrou-me Annabeth. – Seus cérebros só podem processar o que eles veem através da Névoa.
– Eles vão ver três velhas nos matando, não vão?
Ela pensou a respeito.
– Difícil dizer. Mas não podemos contar com a ajuda de mortais. Talvez uma saída de emergência no teto...?
Chegamos ao Túnel Lincoln, e o ônibus ficou às escuras a não ser pelas
luzes do corredor. Estava assustadoramente silencioso sem o ruído da
chuva.
A Sra. Dodds se levantou. Com uma voz inexpressiva, como se tivesse ensaiado aquilo, ela anunciou para o ônibus inteiro:
– Preciso usar o toalete.
– Eu também – disse a segunda irmã.
– Eu também – disse a terceira irmã.
Todas elas começaram a se aproximar pelo corredor.
– Já sei – disse Annabeth. – Percy, pegue meu chapéu.
– O quê?
– É você que elas querem. Fique invisível e siga pelo corredor. Deixe
que elas passem por você. Talvez você possa chegar até a frente e
escapar.
– Mas vocês...
– Há uma pequena possibilidade de que elas não reparem em nós – disse
Annabeth. – Você é filho de um dos Três Grandes. Seu cheiro deve
encobrir o nosso.
– Não posso abandonar vocês.
– Não se preocupe conosco – disse Grover. – Vá!
Minhas mãos tremiam. Eu me senti um covarde, mas peguei o boné dos Yankees e pus na cabeça.
Quando olhei para baixo, meu corpo não estava mais ali.
Comecei a me esgueirar pelo corredor. Consegui passar dez fileiras,
depois me esquivei para um assento vazio bem quando as Fúrias passaram.
A Sra. Dodds parou, farejando, e olhou diretamente para mim. Meu coração estava disparado.
Parecia não ter visto nada. Ela e as irmãs continuaram andando.
Eu estava livre. Cheguei até a frente do ônibus. Já estávamos quase
saindo do Túnel Lincoln. Estava a ponto de apertar o botão de parada de
emergência quando ouvi lamentos abomináveis vindos da fileira do fundo.
As velhas não eram mais velhas. Os rostos ainda eram os mesmos – acho
que seria impossível ficarem mais feios –, mas os corpos haviam murchado
e tinham o aspecto de um couro marrom sobre formas de bruxas, com asas
de morcego e mãos e pés como garras de gárgulas. As bolsas viraram
chicotes chamejantes.
As Fúrias cercaram Grover e Annabeth estalando os chicotes e sibilando:
– Onde está? Onde?
As outras pessoas no ônibus estavam gritando, escondendo-se em seus bancos. Certo, elas viram alguma coisa.
– Ele não está aqui! – gritou Annabeth. – Saiu!
As Fúrias ergueram os chicotes.
Annabeth sacou a faca de bronze. Grover agarrou uma lata da sua sacola de lanches e se preparou para jogá-la.
O que eu fiz a seguir foi tão impulsivo e perigoso que eu merecia ser o rei do transtorno do déficit de atenção do ano.
O motorista do ônibus estava distraído, tentando enxergar o que estava acontecendo pelo espelho retrovisor.
Ainda invisível, agarrei o volante e dei um tranco para a esquerda.
Todos gritaram ao serem jogados para a direita, e ouvi o que esperava
ser o som das três Fúrias esmagadas contra as janelas.
– Ei! – gritou o motorista. – Ei! Oaaa!
Ele lutou para segurar o volante. O ônibus chocou-se com a lateral do
túnel, o metal arrastado pela parede lançando fagulhas um quilômetro
atrás de nós.
Saímos de lado do túnel, de volta à tempestade, com pessoas e monstros
arremessados de um canto a outro do ônibus e carros jogados de lado como
se fossem pinos de boliche.
De algum modo o motorista achou uma saída. Arremessamo-nos para fora da
autoestrada, passamos meia dúzia de semáforos e acabamos disparando por
uma daquelas estradas rurais de New Jersey, nas quais não dá para
acreditar que exista tanto nada do outro lado do rio quando se deixa
Nova York. Havia bosques à nossa esquerda e o rio Hudson à direita, e o
motorista parecia se desviar na direção do rio.
Outra grande ideia: aperto o freio de emergência.
O ônibus gemeu, traçou um círculo completo sobre o asfalto molhado e se
chocou contra as árvores. As luzes de emergência se acenderam. A porta
se abriu. O motorista foi o primeiro a sair, com os passageiros gritando
enquanto fugiam em pânico atrás dele. Subi no assento do motorista e
deixei-os passar.
As Fúrias retomaram o equilíbrio. Estalaram os chicotes para Annabeth
enquanto ela brandia a faca e gritava em grego antigo que recuassem.
Grover atirava latas.
Olhei para a porta aberta. Eu estava livre para partir, mas não podia abandonar meus amigos. Tirei o boné invisível.
– Ei!
As Fúrias se viraram, mostrando as presas amareladas para mim, e a saída
de repente me pareceu uma excelente ideia. A Sra. Dodds avançou de modo
arrogante pelo corredor, como costumava fazer em classe, pronta para
entregar meu F na prova de matemática. Cada vez que ela estalava o
chicote, chamas vermelhas dançavam pelo couro farpado.
Suas duas irmãs horrorosas pularam para cima dos assentos de ambos os
lados e se arrastaram na minha direção como dois lagartos enormes e
asquerosos.
– Perseu Jackson – disse a Sra. Dodds com um sotaque que vinha de algum
lugar mais distante do que o sul da Geórgia. – Você ofendeu os deuses.
Você deve morrer.
– Eu gostava mais de você como professora de matemática – falei.
Ela rosnou.
Annabeth e Grover se aproximaram com cautela por trás das Fúrias, procurando uma passagem.
Tirei a esferográfica do bolso e a destampei. Contracorrente se alongou e virou uma reluzente espada de fio duplo.
As Fúrias hesitaram.
A Sra. Dodds já havia sentido a lamina de Contracorrente antes. Obviamente não gostou de vê-la de novo.
– Renda-se agora – sibilou. – E não sofrerá o tormento eterno.
– Boa tentativa – disse a ela.
– Percy, cuidado! – gritou Annabeth.
A Sra. Dodds lançou seu chicote em volta da mão com a qual eu segurava a
espada, enquanto as Fúrias em cada lado pularam em cima de mim.
Era como se minha mão estivesse envolta em chumbo derretido, mas
consegui não soltar Contracorrente. Atingi a Fúria da esquerda com o
cabo e a mandei cambaleando de costas para a poltrona. Virei e fiz um
corte na Fúria da direita. Assim que a lâmina entrou em contato com o
pescoço dela, ela gritou e explodiu em pó. Annabeth agarrou a Sra. Dodds
em um golpe de luta e a atirou para trás, enquanto Grover arrancava o
chicote de suas mãos.
– Ai! – gritou ele. – Ai! Quente! Quente!
A Fúria que eu havia atingido com o cabo da espada veio de novo para
cima de mim, garras à mostra, mas desferi um golpe com Contracorrente e
ela estourou como um saco cheio de bolinhas de isopor.
A Sra. Dodds estava tentando tirar Annabeth das costas. Ela esperneou,
arranhou, sibilou e mordeu, mas Annabeth se agarrou firme enquanto
Grover amarrava suas pernas com seu próprio chicote. Depois os dois a
empurraram de costas para o corredor.
A Sra. Dodds tentou se erguer, mas não havia espaço para ela bater as asas de morcego, portanto continuou caindo.
– Zeus o destruirá! – prometeu ela. – Hades terá sua alma!
– Braccas meas vescimini! – gritei.
Eu não sabia muito bem de onde viera o latim. Acho que queria dizer: “Coma as minhas calças!”
Um trovão sacudiu o ônibus. Os cabelos se eriçaram na minha nuca.
– Fora! – gritou Annabeth para mim. – Agora!
Não era necessário.
Corremos para fora e encontramos os outros passageiros andando de um
lado para outro, atordoados, discutindo com o motorista ou correndo em
círculos e gritando: “Nós vamos morrer!” Um turista de camisa com
estampa havaiana e uma câmara bateu uma foto minha antes que eu pudesse
pôr a tampa na minha espada.
– Nossas malas! – Grover se deu conta. – Nós deixamos nossas...
BUUUUUUM!!
As janelas do ônibus explodiram enquanto os passageiros corriam para se
abrigar. Um relâmpago rasgara uma enorme cratera no teto, mas um lamento
furioso lá dentro me disse que a Sra. Dodds ainda não estava morta.
– Corram! – disse Annabeth. – Ela está chamando reforços! Temos de sair daqui!
Mergulhamos para dentro dos bosques enquanto a chuva despencava
torrencialmente, com o ônibus em chamas atrás de nós e nada à frente a
não ser trevas.
foda
ResponderExcluirComam minhas calças kk
ResponderExcluirO que é esse capítulooooo senhooooor
ResponderExcluirComam minhas meias, seria mais ofensivo kkkkkkk
ResponderExcluirOne piece é bom
ResponderExcluirNão
ExcluirÉ sim
Excluirnão é bom, é perfeito
Excluirverdade
Excluir26/01/2021 lendo essa maravilha que ta me ajudando a tirar o tédio aqui no serviço, sentado a tarde inteira, alem de me desperta um vontade maior de ler muito mais livros com esse conteúdo.
ResponderExcluireu to na mesma, dia 19/04/24 lendo esse livro sem ao menos gostar de leitura
ExcluirGente que cap e esse tô surtando , escuta o oráculo Percy um amigo seu abre o olho (já sei quem é pq recebi spoiler de uma AMG Aiai)
ResponderExcluirlucky
ExcluirEssa é a melhor saga, sugestão para àqueles que estão lendo pela primeira vez: prestem atenção a todos os detalhes, não apenas desse livro, mas dos outros também. Exemplo:Circe e a ilha de Itaca... no livro Mar de Monstros.
ResponderExcluirpronta para entregar meu F na prova de matemática kkkkkk que isso gente ja se dando nota ruim
ResponderExcluir"Se ela tivesse criado a pizza...isso eu ate poderia entender" kkkkkkkkkkk
ResponderExcluir"Se ela tivesse inventado a pizza...isso eu ate iria entender" kkkkkkkkkk
ResponderExcluir"Comam minhas calças" KAKSKAKKAKSKAKAKA
ResponderExcluirFoda pa kctkkkkkkk
ResponderExcluir